entrevista prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).

Agenda Temer' tenta pôr o Brasil de hoje na República Velha, diz Haddad


O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT)

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT)
O PT vai sobreviver às turbulências políticas, mas pode não ser mais o partido hegemônico da esquerda brasileira. "Vai ter que pensar mais o campo progressista do que o próprio partido", diz o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).
Para ele, "a agenda que está colocada como condição de sustentabilidade de um eventual governo Temer tenta colocar o Brasil de hoje na República Velha" e dificilmente vai prosperar.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
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Folha - Depois de 14 anos de governo do PT, estamos num processo de impeachment liderado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Como se chegou a essa situação?
Fernando Haddad - Esse processo começou há bastante tempo e se intensificou com a reeleição do Lula, em 2006. Desde então, de fato os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se distanciaram e os pobres se aproximaram.
O PSDB, não podendo fazer crítica frontal à política econômica e social de Lula, começou a dialogar com um conjunto de valores focado nessa classe média tradicional que não viu seus ganhos relativos representados no projeto de nação do PT.
Assumiu uma agenda de intolerância: os efeitos do Bolsa Família sobre o comportamento dos pobres, as cotas raciais e sociais para o ingresso na universidade, a questão da mulher [aborto] na eleição de 2010, da comunidade LGBT na de 2012, da maioridade penal em 2014. E foi contaminando os humores dessa classe média.
A classe média derrubou o governo?
A afirmação é forte para o conjunto de fatores que levou a essa situação. Mas é seguro que um fator importante foi a piora da posição relativa da classe média, que fez surgir uma equação quase impossível de solucionar: ela passou a demandar a melhora dos serviços públicos, para dispensar os privados, sem aumento de tributos.
Mas isso nem mesmo derrotou o governo em eleições.
Enquanto os ricos prosperaram e os pobres foram sócios majoritários do incremento da renda, essa agenda tinha pouca chance de prosperar. Mas vem a crise internacional e o governo adota políticas anticíclicas, à espera de uma melhora do quadro internacional, Que não veio.
Houve um esgotamento do modelo que permitia o ganha-ganha de empresários e trabalhadores. Ele tinha que ser substituído. Para manter foco na redução da desigualdade, seria preciso impor sacrifícios ao andar de cima.
Aí começa o conflito.
Aí começa o conflito. O impasse que o Brasil vive é exatamente esse. Ninguém sabe quem é o personagem por trás daquele pato da Fiesp. A história vai dizer. Os conflitos distributivos estão na ordem do dia. E passam pela política monetária: o quanto ela combate a inflação e o quanto representa ganhos rentistas que passaram a predominar?
Onde entra a responsabilidade da presidente Dilma nisso? E da Operação Lava Jato, que aponta corrupção do PT?
Na reeleição de 2014 ocorreram coisas significativas. Houve um divórcio como nunca se viu entre o Legislativo [de perfil mais conservador] e o Executivo. É sempre difícil para um governo progressista formar maiorias no parlamento, porque a maioria para quem ele quer governar não consegue se fazer representar num sistema totalmente distorcido. Há sempre um descasamento, mas em 2014 ele foi muito maior.
Outro problema é que não houve uma mera inflexão do governo em relação às políticas adotadas até então. Ele mudou o discurso em 180° pouco depois da eleição.
Roberto Stuckert Filho-31.jul.2013/Divulgação/PR
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em cerimônia com a presidente Dilma Rousseff, em 2013
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em cerimônia com a presidente Dilma Rousseff, em 2013
Um divórcio eleitoral.
Houve um divórcio entre a prática e a prédica. E essa mudança violenta corroeu a base dos que reconduziram Dilma ao governo. A oposição, percebendo a fragilidade, passou a defender o impeachment. Há outros fatores de esgarçamento, como a Lava Jato, que potencializou tensões já exacerbadas. É uma sobreposição de crises.
O quadro geral recomendava que se buscasse o entendimento com o PMDB. Mas o movimento do governo foi exatamente o contrário. Ele preferiu confiar em forças que demonstraram maior infidelidade, para dizer o mínimo, do que o próprio PMDB.
O impeachment é golpe?
Eu compartilho da opinião de boa parte da comunidade jurídica que considera o impeachment da Dilma um casuísmo. A base para essa punição máxima é frágil.
Os pretextos usados, de contabilidade criativa, não vão ser usados contra mais ninguém, embora essa prática seja adotada extensamente por governadores e também no plano municipal. Nesse sentido, fazendo as devidas ressalvas com 1964 [em que os militares tomaram o poder], é golpe.
E as consequências?
A agenda posta como condição de sustentabilidade de um eventual governo Temer tenta colocar o Brasil de hoje na República Velha. É um modelo de sociedade que eu espero que seja inaceitável para a maioria dos brasileiros, um retrocesso no que se avançou em direitos trabalhistas e sociais, por soluços históricos, no Brasil. É isso o que está instalado: um conflito de interesses em relação ao papel do Estado como provedor de direitos sociais básicos previstos na Constituição.
Lula sempre acreditou que seria o conciliador desses conflitos no Brasil, o personagem que agregaria as classes. E agora a ficha teria caído.
O viés do PT é trabalhista. É a ideia de que é possível sentar à mesa com o patrão, defender o interesse dos trabalhadores e todo mundo ganhar com isso. Lula pensa assim. E o governo que fez deu razão a ele. O que talvez não tivesse no horizonte dele é que uma crise tão severa se instalaria depois de ele entregar o país com 7,5% de crescimento.
Foi um erro ele escolher a Dilma como candidata?
Ele não tinha opções. Como ministra da Casa Civil, Dilma correspondeu a todas as expectativas. Conhecia o governo como ninguém. E tinha uma biografia. Seria injusto fazer repousar sobre os ombros de uma pessoa toda a responsabilidade, como se o PT não tivesse responsabilidade, como se a oposição não tivesse a sua cota ao impedir que o governo se realizasse, com condições totalmente adversas no Congresso para aprovar o que quer que seja.
O que vai acontecer com o PT?
O PT vai sobreviver. Pequeno por quanto tempo, médio por quanto tempo? A história vai responder.
O partido tem muita capilaridade. Mas o PT vai ter que pensar, daqui para a frente, mais o campo progressista do que o próprio partido. Isso já estava na cabeça do Lula em 2010, quando sinalizava inclusive um apoio ao Eduardo Campos em 2018.
O PT estava consolidado, forte, em seu melhor momento, e o Lula já entendia que o partido tinha que fazer, em algum momento, esse gesto de apoiar o candidato a presidente de outro partido. Você imagina agora. Mais ainda, né? Lula já entendia, e eu concordo com ele, que o roteiro de um partido de esquerda hegemônico, em torno do qual os demais orbitam, tinha se esgotado.
Juca Varella - 16.jul.14/Folhapress
O ex-presidente Lula conversa com o prefeito Fernando Haddad em evento em SP, em 2014
O ex-presidente Lula conversa com o prefeito Fernando Haddad em evento em SP, em 2014
Ele acreditava que o PT não seria mais hegemônico?
É para além de acreditar. É acreditar no oposto. Falava muito da Frente Única. Pensava mais como campo do que como partido. E você veja que já está se configurando um campo a partir do qual se pode reconstruir uma agenda progressista no Brasil em que o PT não precisa ter a hegemonia que sempre teve. Isso já estava no roteiro de 2010. E não há outra saída.
Há um sucessor para o Lula ou ele ainda será candidato? Hoje os movimentos de esquerda ainda o procuram, os partidos.
O Lula tem um perfil piadista. Ele falou que o Instituto Lula está parecendo o posto Ipiranga. Qualquer problema, procura o posto Ipiranga [risos]. Ninguém pode nesse momento prever quem vai suceder o Lula, e quando. A história forja os indivíduos que vão liderar processos.
Naturalmente pessoas vão assumir protagonismo, dependendo de como dialogarem com o movimento social, se souberem, como Lula sabe até hoje, sintetizar esse sentimento que muitos comungam em torno de um projeto mais generoso com o Brasil.
O que o sr. fala para as pessoas que se espantam com o grau de corrupção ou irregularidades no PT, incluindo a proximidade de Lula com empreiteiras?
A maior bênção que nós tivemos foi o Supremo [Tribunal Federal] declarar inconstitucional o financiamento empresarial de campanha eleitoral. A raiz de todos os problemas está nisso, e também nas coligações proporcionais.
Isso ficou evidente na votação do impeachment. Ninguém se vê representado por aquele Congresso. O Brasil é muito melhor do que aquilo. A direita é melhor do que aquilo. E por que houve esse encolhimento comemorativo [dos que apoiaram o impeachment]? Porque ninguém se viu representado nos vencedores do domingo.
Enfim, o PT sempre foi contra o financiamento empresarial, mas nunca teve força para mudar.
E sempre se beneficiou do financiamento empresarial.
Jogou o jogo. E quando você joga um jogo com as regras que você contesta, está sujeito a cometer os equívocos que seus adversários cometeram.
Fabio Braga - 27.out.2012/Folhapress
Haddad cumprimenta eleitores em carreata na eleição de 2012
Haddad cumprimenta eleitores em carreata na eleição de 2012
Mônica Moura, que participou do marketing de sua campanha, disse em pré-acordo de delação premiada que também nela houvecaixa dois.
Eu não sei os termos [das declarações de Moura]. Existe a campanha do candidato, sobre a qual ele e o tesoureiro têm responsabilidade. Quanto a essa, eu respondo 100%, com segurança total. O financiamento que veio dos diretórios [do PT], eu espero que estejam corretos também.
Como o sr. vê o futuro da esquerda, que hoje tem cerca de cem votos no Congresso?
Quando o PT tinha 16 deputados, se fazia a mesma pergunta. O que importa não é o número numa fotografia, e sim o filme. O PSDB está há 16 anos fora do poder.
No Brasil, esse campo ganhar quatro eleições consecutivas é o fato que um sociólogo do século passado veria como espanto, e não a possibilidade de ficar um tempo fora. Temos que relativizar um pouco. Até porque os canais de comunicação com o movimento social foram obstruídos nesse último período. Eles precisam ser desobstruídos para nós recuperarmos vitalidade de formulação. 

Cusparada de Jean Wyllys e outros 12 momentos marcantes da votação do impeachment

Image copyrightAg. Brasil
Se você não conseguiu acompanhar as mais de sete horas de discursos e votação na Câmara dos Deputados que resultaram no aval da Casa para o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a BBC Brasil reuniu abaixo alguns dos momentos mais marcantes - e inusitados. Confira:

1. Faixa "Fora, Cunha"

No início da sessão, parlamentares contra o impeachment estenderam uma enorme faixa com a frase “Fora Cunha” para protestar contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Irritado, o peemedebista exigiu silêncio dos parlamentares.
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Image captionDeputados abrem faixa contra o presidente da Câmara

2. Cantoria de Paulinho da Força

Em seu discurso antes do início da votação, o deputado Paulinho da Força (SD-SP) usou a tribuna para liderar um coro de parlamentares pró-impeachment em uma paródia da canção Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré.
"Dilma vai embora que o Brasil não quer você e leve o Lula junto e os vagabundos do PT”, cantou, enquanto um colega a seu lado fazia uma chuva de papel picado.
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Image captionPaulinho da Força em clima de 'Carnaval' na Tribuna

3. Tumulto

O começo da sessão da Câmara teve tumulto e troca de insultos entre deputados que gritavam "fora PT" e os que entoavam "não vai ter golpe".
Cunha pediu silêncio e ordem e chegou a ameaçar chamar os seguranças para tirar o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) da sessão. Ele também pediu que os deputados evitassem ficar atrás da tribuna com cartazes pró e contra o impeachment.
Image copyrightAntonio Augusto I Camara dos Deputados
Image captionDeputados trocaram insultos no início da sessão

4. "Tchau, querida"

A frase usada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acabar a conversa com Dilma no polêmico telefonema divulgado pelo juiz Sergio Moro virou bordão dos deputados pró-impeachment.
"Tchau, querida", diziam cartazes levados ao plenário.
Muitos também acabaram seu discurso com a frase, entre eles Elizeu Dionízio (PSDB-MS) e Alexandre Leitte (DEM-SP).
Image copyrightAntonio Augusto Cmara dos Deputados

5. "Nojo" de Temer

Em seu discurso na tribuna, o vice-líder do governo na Câmara, deputado Silvio Costa (PT do B-PE), disse ter "nojo" do vice-presidente Michel Temer por querer "arrancar" o mandato de Dilma e chamou Cunha de "cachorro morto".
“Depois que descobriram as contas dele na Suíça, eu parei de bater no deputado Eduardo Cunha. Parei porque ninguém chuta cachorro morto, mas hoje vou ter que bater porque o cachorro continua latindo”, disse.
"Outro cara de quem estou com nojo é Michel Temer. E eu não tenho outra palavra que não nojo. Faz dois anos que ele vem conspirando contra a presidente.”
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Image captionSilvio Costa fez um discurso exaltado em que chamou Cunha de 'cachorro morto'

6. Renúncia pelo "sim"

Ao declarar seu voto a favor do afastamento de Dilma, o deputado Alfredo Nascimento (PR-AM) renunciou à presidência nacional do PR, partido que havia instruído seus correligionários a votarem contra o impeachment. A decisão causou surpresa no plenário.
Antigo aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nascimento foi ministro dos Transportes de Dilma. Ele deixou o cargo após ser acusado de participar de um esquema de corrupção dentro do ministério, mas nega as acusações.
"Numa reunião do nosso partido, o partido decidiu encaminhar o voto 'não'. Em respeito ao meu partido, aos meus colegas parlamentares, quero comentar que renuncio à presidência do PR porque entendo meu voto de forma diferente. Meu voto pertence ao povo do Amazonas, que me botou na vida publica há 30 anos. Voto sim", disse Nascimento.
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Image captionEx-ministro de Dilma, Alfredo Nascimento votou pelo impeachment

7. Cunha entre vaias, aplausos e ameaças

Ao proferir seu voto pelo impeachment, o presidente da Câmara foi, primeiro, vaiado e, logo em seguida, aplaudido.
Seu discurso ao votar foi um dos mais breves: "Que Deus tenha misericórdia desta nação."
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Image captionAlvo de ataques de deputados anti-impeachment, Cunha fez discurso breve ao votar
Ao proferir seu voto a favor do impeachment o deputado Expedito Netto (PSD-RO) ameaçou Cunha.
"Gostaria de dizer que hoje estamos votando o processo de impeachment da Dilma, mas amanhã é o seu (dirigindo-se ao presidente da Câmara). Contra a corrupção, venha ela de onde vier. Voto sim!"
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Image captionExpedito Netto ameaçou Cunha ao votar pelo impeachment de Dilma

8. "Pelos militares de 64"

Sem preocupação com as comparações com o golpe de 64, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e seu pai Jair Bolsonaro (PSC-RJ) dedicaram seus votos pelo impeachment aos militares que destituíram João Goulart há 52 anos.
"Pelo povo de São Paulo nas ruas com o espírito dos revolucionários de 32, pelo respeito aos 59 milhões de votos contra o estatuto do desarmamento em 2005, pelos militares de 64, hoje e sempre, pelas polícias, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia", disse Bolsonaro filho.
"Perderam em 64 e perderam agora em 2016", ecoou Bolsonaro pai, que dedicou seu voto à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política que foi palco de torturas durante o regime militar.
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Image captionFilho de Jair Bolsonaro não teme comparações com golpe de 64

9. "Por Marighella"

Em seu voto contra o impeachment, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) também fez referência a figuras históricas - mas do outro lado do espectro político.
Ele citou o líder guerrilheiro Carlos Marighella, considerado um dos maiores inimigos da ditadura.
"Senhor Eduardo Cunha, o senhor é um gangster. O que dá sustentação a sua cadeira cheira a enxofre. Eu voto por aqueles que nunca escolheram o lado fácil da história. Voto por Marighella, por Plinio de Arruda Sampaio, por Luis Carlos Prestes, eu voto por Olga Benário, eu voto por Zumbi dos Palmares, eu voto não."
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Image captionGlauber Braga citou líder guerrilheiro ao votar contra impeachment

10. "Pela paz em Jerusalém"

Discursando pelo PROS, o deputado Ronaldo Fonseca (DF) disse que o discurso de que o impeachment seria "golpe" não passa de "diarreia verbal".
Coordenador da Bancada da Assembleia de Deus na Câmara, ao anunciar seu voto Fonseca mostrou preocupação pelo conflito no Oriente Médio.
“Sem medo de ter esperança e com a convicção de que a Constituição Federal ampara essa sessão. Pela paz em Jerusalém, eu voto sim", disse.
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Image captionPastor da Assembleia de Deus, Fonseca lembrou conflito no Oriente Médio em seu voto

11."Hipocrisia por metro quadrado"

Em um dos votos mais aplaudidos do lado governista, a deputada Professora Marcivania (PCdoB-AP) denunciou o que na sua avaliação seria a "hipocrisia" dos que votavam pelo impeachment.
"Eu acho que nunca vi tanta hipocrisia por metro quadrado, dizer que vai lutar contra a corrupção colocando Temer e Cunha no poder. O povo sabe e vai enxergar isso", disse.
Câmara dos DeputadosImage copyrightNilson Bastian I Camara dos Deputados
Image captionO deputado Bruno Araújo chorou ao dar o voto decisivo

12. O 342º voto pelo impeachment

O deputado Bruno Araújo (PSDB–PE) se emocionou e chorou ao dar o voto decisivo para a aprovação do impeachment.
“Quanta honra o destino me reservou de poder, da minha voz, sair o grito de esperança de milhões de brasileiros. Senhoras e senhores, Pernambuco nunca faltou ao Brasil. Carrego comigo nossa história de luta pela democracia. Por isso, digo ao Brasil 'sim' pelo futuro”, disse.
Image copyrightCamara dos Deputados
Image captionO deputado Bruno Araújo chorou ao dar o voto decisivo

13. Cusparada em Bolsonaro

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) cuspiu em direção ao deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) após declarar seu voto contrário à abertura do processo de impeachment de Dilma. Ele justificou a atitude dizendo ter sido insultado e agarrado pelo colega.
"Ele merece. Cuspiria na cara dele quantas vezes eu quisesse", afirmou Wyllys.
Bolsonaro disse que só "30%" do cuspe o atingiu.
Wyllys declara seu votoImage copyrightAgencia Brasil
Image captionO deputado Jean Wyllys declara seu voto


Como Cunha se tornou um dos políticos mais poderosos do país – e o pior pesadelo de Dilma


(Foto: Gustavo Lima/Ag. Câmara)Image copyrightAg. Camara
Image captionTrajetória política de Eduardo Cunha remonta à era Collor
Em 1992 já havia um "Fora Cunha". Naquele ano, em meio à turbulência em torno do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, o Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação do Rio de Janeiro exigia a saída do economista Eduardo Cosentino da Cunha da presidência da companhia telefônica estadual.
"Um collorido na presidência da Telerj", denunciava o cartaz de protesto.
Hoje o "Fora Cunha" é uma hashtag, e o ex-collorido da Telerj se tornou o poderoso presidente da Câmara dos Deputados, o homem à frente da votação que, no domingo, pavimentou o caminho que tende a levar o país a mais um processo de impeachment – a decisão, agora, está a cargo do Senado.
Cunha foi, até então, o principal opositor da presidente Dilma Rousseff na longa e cansativa batalha do impeachment, o "adversário mais à altura" que o PT já enfrentou em seus 13 anos de governo, segundo o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), condenado no processo do mensalão.
"Lula nunca esperou encontrar um bandido da mesma qualidade moral, intelectual que ele", disse Jefferson em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada no último dia 31 de março.
Cunha, entretanto, tem muitos admiradores. "Ele é um político ousado, inteligente, disciplinado e trabalhador", elogia o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), um de seus principais aliados na encarniçada guerra contra o PT. "Reúne todas essas qualidades. Leva isso ao extremo."
De fato, Cunha sempre foi aplicado. Estuda os regimentos da Câmara com afinco, como na época em que era um estudante discreto, de cabelos compridos e óculos "fundo de garrafa" que sempre tirava boas notas, como conta um perfil publicado pelo jornal O Globo, também em março.
Mas nada em seu comportamento escolar nos anos 70 (ele nasceu em 1958; em setembro completa 58 anos) indicava que Cunha estaria hoje no centro do noticiário político do país por seu papel de principal opositor ao Poder Executivo e por conduzir o processo de admissibilidade do impeachment enquanto ele mesmo é réu no Supremo Tribunal Federal sob a suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

AFPImage copyrightAFP
Image captionPC Farias indicou Cunha para ser o tesoureiro de campanha de Collor no Rio

Tesoureiro de campanha de Collor

"Cunha não era politizado quando jovem. Nunca foi de movimento estudantil nem de associação de moradores", conta o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), ferrenho adversário do peemedebista.
"Ele vinha de uma família de classe média, era tijucano (morador do bairro da Tijuca, zona norte do Rio) como eu, e ingressou na política com um objetivo claro de ascensão social."
Seu primeiro partido foi o PRN (Partido da Reconstrução Nacional): em 1989, ele ajudou a eleger Collor presidente, como tesoureiro do comitê de campanha no Rio, a convite "da figura mais nefasta daquele grupo, o Paulo Cesar Farias", relata Chico.
Como se vê, a pecha de "collorido" que Cunha carregava em 1992 não era gratuita. Foi o próprio PC quem sugeriu a Collor nomeá-lo para a presidência da Telerj, em 1991. Antes de ingressar no mundo dos cargos comissionados, ele teve passagens como economista pelas empresas Arthur Andersen e Xerox.
Em sua gestão na telefônica, teve um papel importante na implementação da telefonia celular no Rio. Também foi envolvido, pela primeira vez, num escândalo de superfaturamento. A segunda vez veio em 2000, quando foi afastado da Companhia Estadual de Habitação (Cehab) por denúncias de contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas.
Ele havia sido nomeado pelo então governador Anthony Garotinho (hoje no PR), hoje um ferrenho desafeto, apenas seis meses antes.
Agencio PTImage copyrightAgencia PT
Image captionPara deputado Glauber Braga, Cunha é 'mentor do acordão e articulador das ações' de Temer

Conta na Suíça

Entre a Telerj e a Cehab, Cunha foi apadrinhado pelo empresário e deputado federal Francisco Silva, dono da rádio gospel Melodia, evangélico como ele, e tornou-se radialista. Passou também a frequentar os cultos da Igreja Assembleia de Deus, onde construiu sua base eleitoral.
Nessa época ele já se casara com a jornalista Claudia Cruz, apresentadora do noticiário RJTV, da TV Globo, a quem convidara para ser "a voz" da Telerj.
O trabalho virou romance e, juntos, tiveram uma filha, Bárbara (ele tem outros três filhos do primeiro casamento). Levam uma vida de alto luxo: vão a jantares em restaurantes caríssimos de Paris, tiveram aulas de tênis em Nova York que custaram US$ 60 mil, possuem carros caríssimos. O dinheiro que paga esses prazeres está sendo investigado na Operação Lava Jato.
Claudia também é sócia de Cunha em diversas empresas suspeitas (entre elas, uma chamada Jesus.com) e titular de uma conta irregular na Suíça, bloqueada a partir da investigação. Nada que surpreenda Chico Alencar. "Ele sempre lidou com denúncias de negociatas em sua trajetória", diz o deputado do PSOL.
Chico e Cunha se conheceram pessoalmente quando se elegeram deputados estaduais, em 1998. Cunha entrou como suplente; teve apenas 15 mil votos, menos de sete por cento dos 232 mil que o tornaram o terceiro deputado federal mais votado do Rio em 2014.
"Naquela época ele era bem mais discreto, mas sempre foi considerado uma figura ardilosa", recorda Chico.
AFPImage copyrightAFP
Image captionCunha tem uma legião de seguidores na Câmara, mas também muitos críticos

Um terço da Câmara

Essa discrição acabou em 2014, quando Cunha liderou um "blocão" que exigia do governo mais cargos para os aliados. Como forma de pressão, passou a impor derrotas na Câmara a Dilma e ao PT, a quem já havia ajudado em momentos importantes, como na CPI do Apagão Aéreo, em 2007, quando já estava havia quatro anos no PMDB e era vice-líder do partido, com um séquito de seguidores.
Fiel companheiro de Cunha no impeachment de Dilma, o sindicalista Paulinho da Força, líder do partido Solidariedade, afirma que 180 dos 513 deputados federais dançam conforme a música que o antigo aluno de óculos "fundo de garrafa" toca. Quase um terço da Câmara.
"Individualmente, ele tem mais votos do que o PT e seus aliados. Cunha, sozinho, também tem mais força que a oposição", diz Paulinho.
Trata-se de um exército legislativo conquistado com uma habilidade específica: "Ele cumpre tudo o que diz. Isso tem valor na Câmara; geralmente político fala e não cumpre. A lealdade e o compromisso com as pessoas o tornaram forte", avalia Paulinho.
Para o deputado André Moura, do PSC, o "presidente Eduardo", como o chama, dignifica o Parlamento. "Ele devolveu o protagonismo ao Legislativo. Deu altivez a essa casa", opina o sergipano, membro da tropa de choque dos aliados de Cunha.
"Apesar de todos os problemas pessoais que tem enfrentado, o presidente Eduardo consegue pautar e botar para votar matérias importantes, como o pacto federativo, a redução da maioridade penal e a reforma tributária", diz Moura.
(Foto: AFP)Image copyrightAFP
Image captionCunha se tornou o maior pesadelo de Dilma Rousseff
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) vê Cunha de uma forma bem distinta.
"É um ditador na presidência da Câmara. Patrocina projetos de lei reacionários e alguns absurdos, como o projeto de lei do Dia do Orgulho Hétero. A figura dele é emblemática do que há de pior na política nacional", afirma.
Glauber Braga (PSOL-RJ) faz coro. "Não tem limites no exercício e na conquista do espaço político. E hoje ele tem muito mais espaço para impor sua agenda retrógrada. Ele usa todos os instrumentos para ter acesso a um mecanismo de poder sem limites. Tenho convicção de que o mentor do acordão e articulador das ações do (vice-presidente) Michel Temer é o Cunha", diz o deputado.

Roteiro de série

Em 15 de março de 2014, o jornal gaúcho Zero Hora publicou uma reportagem em que apontava Cunha como "o homem capaz de balançar a aliança entre peemedebistas e petistas". No último 29 de março, o presidente da Câmara festejou o rompimento com o governo ao lado do senador Romero Jucá (também investigado pela Lava Jato) e outros peemedebistas .
"Ele buscou uma independência harmoniosa entre os poderes, mas o Palácio (do Planalto) nunca aceitou isso. Essa foi a origem dos problemas", diz André Moura. "Ele se elegeu com base no poder econômico, com financiamento de caixa 2 de empresas, é réu no STF por isso, não tem legitimidade", rebate Damous.
Cunha é acusado, na Lava Jato, de receber propinas milionárias: por um contrato de navios-sondas da Petrobras teria recebido US$ 5 milhões; das empresas ligadas ao Porto Maravilha (no Rio de Janeiro), a soma chegaria a espetaculares R$ 52 milhões. Como se não bastasse, seu nome figura na lista de offshores reveladas pelos Panama Papers.
Com base nas denúncias apuradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou Cunha ao STF em setembro do ano passado. Ele nega todas as acusações e diz que é perseguido, inclusive por Janot.
(Foto: Ag. Câmara)Image copyrightAg. Camara
Image captionCunha evitou comemorar, ao menos publicamente, derrota de Dilma
Mas o marco do seu antagonismo derradeiro contra o PT veio, segundo os bastidores políticos, quando o partido do governo definiu, em dezembro, que não o apoiaria no Conselho de Ética da Câmara, onde tramita um processo que, no limite, pode levar à cassação de seu mandato. Seu ato imediato foi aceitar um dos pedidos de impeachment – em seu primeiro pronunciamento após o resultado do domingo, Dilma voltou a acusá-lo de agir por "vingança", o que ele nega.
Porém, mesmo depois da maior das várias derrotas que já aplicou ao governo, o peemedebista preferiu evitar celebrar – ao menos publicamente. "Tudo isso é muito triste. Um caso grave", disse aos jornalistas.
O deputado, todavia, não parece estar disposto a buscar uma trégua. Para Cunha, esta é uma luta pela própria sobrevivência e até aqui tem funcionado: ao contrário do impeachment, que corre célere, seu processo no Conselho de Ética se arrasta lentamente.
"Eduardo Cunha quer destruir, um a um, os opositores que debatem sua cassação", disse à BBC Brasil o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), que preside o conselho.
Ano que vem a Netflix promete lançar uma série inspirada na Lava Jato. A criação e direção serão de José Padilha (Tropa de EliteNarcos). Já a trama do roteiro tem sido escrita, no dia a dia da política nacional, com a atuação de Eduardo Cunha. E ninguém, até aqui, consegue prever o desfecho dessa história.

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