Entrevista com Lúcio Flávio Pinto.

Lúcio Flávio Pinto: modelo de desenvolvimento excluiu população local.

         “Sob essa perspectiva colonial, o sucesso do modelo só não foi total porque excluiu a população local dos benefícios.” Essa, pelo menos, é a leitura de Lúcio Flávio Pinto, ao avaliar, do ponto de vista sócio-econômico, o legado da ditadura militar ao Pará. “Há uma linha de continuidade na política econômica do governo federal a partir do final da Segunda Guerra Mundial: intervenção externa cada vez maior para promover a integração da economia regional à nacional e internacional. Na passagem da democracia para a ditadura, a partir de 1964, essa linha não foi interrompida. As estradas de integração nacional, que começaram a ser abertas no governo JK, prosseguiram sob o regime militar. A penetração em áreas pioneiras se intensificou. Os investimentos públicos e privados se multiplicaram”, observa o jornalista. “O resultado é que a Amazônia, em particular o Pará, que não contava para a balança comercial, passou a pesar. Foi uma evolução incrível”, enfatiza Lúcio Flávio, na entrevista concedida ao Blog do Barata, que segue abaixo.

         Do ponto de vista sócio-econômico, qual o legado da ditadura militar em termos do Pará? Em matéria de desenvolvimento, o estado avançou ou permaneceu patinando no subdesenvolvimento, nos 21 anos do regime dos generais?

        Há uma linha de continuidade na política econômica do governo federal a partir do final da Segunda Guerra Mundial: intervenção externa cada vez maior para promover a integração da economia regional à nacional e internacional. Na passagem da democracia para a ditadura, a partir de 1964, essa linha não foi interrompida. As estradas de integração nacional, que começaram a ser abertas no governo JK, prosseguiram sob o regime militar. A penetração em áreas pioneiras se intensificou. Os investimentos públicos e privados se multiplicaram. O resultado é que a Amazônia, em particular o Pará, que não contava para a balança comercial, passou a pesar. Foi uma evolução incrível. Os dois principais produtos de exportação do Brasil saem da Amazônia Legal: a soja de Mato Grosso e o minério de ferro do Pará. Sob essa perspectiva colonial, o sucesso do modelo só não foi total porque excluiu a população local dos benefícios.

         Procede a avaliação segundo a qual o Pará foi penalizado com a indiferença do poder central, durante o regime dos generais, a despeito do estado dispor de duas lideranças – no caso, Jarbas Passarinho e Alacid Nunes - reveladas pelo golpe de 1ª de abril de 1964, ambas com inserção em Brasília?

        Não há dúvida. O primeiro governador militar, Jarbas Passarinho, não conseguiu impedir a extinção da Estrada de Ferro de Bragança, que era uma das suas plataformas. Nem a dominação crescente da administração federal nos assuntos do Estado, numa usurpação federativa. O único governador que tentou estabelecer certa autonomia foi Aloysio Chaves (1975/79). Seu plano de governo previa o avanço do planejamento estadual para que ele não fosse caudatário do planejamento federal, limitando-se a alocar verbas em programas e projetos definidos em Brasília. Eu vazei na imprensa esse plano quando o governador – eleito mas ainda não empossado – estava na Alemanha. Ele foi convocado a voltar ao Brasil e enquadrado pelo general Geisel. Ou mudava o seu plano ou não assumiria. Assumiu. Já o rompimento de Alacid Nunes com o presidente João Figueiredo, o último general no poder, na eleição de 1982, foi meramente fisiológica. Alacid rompeu o acordo feito com o general de aceitar que ficasse com Passarinho a decisão sobre o novo candidato do regime. E apoiou Jader Barbalho, que era oposição, para não permitir a volta do seu ex-amigo e então maior inimigo.

         Sustenta-se em fatos a leitura segundo a qual teria faltado a Jarbas Passarinho e Alacid Nunes, de tão absorvidos pelas disputas paroquiais, determinação política capaz de fazê-los carrear para o Pará benefícios compatíveis com o prestígio de ambos junto ao Palácio do Planalto, durante a ditadura militar?

        Também é verdade. Os dois principais lideres do movimento militar começaram a se distanciar já na eleição de 1965, para o governo. A dissensão foi crescendo em função da disputa pelo poder local entre os grupos que se formaram em torno deles. Era puro fisiologismo. Alacid, por exemplo, depois de deixar o governo no primeiro mandato foi dirigir o grupo João Santos no Pará, ao qual tinha concedido benefícios. E depois, integrou o Conselho de Administração da Vale. Passarinho teve muito mais prestígio federal, mas seu distanciamento do Pará foi tal que acabou por ficar fora do alcance das questões locais, o que pesou em suas duas derrotas eleitorais.

         O porquê das lideranças que ganharam expressão com a redemocratização no Pará, como Jader Barbalho e Almir Gabriel, não conseguiram fazer o estado avançar em termos de conquistas capazes de efetivamente beneficiar sua população?

        As lideranças no Pará não têm realmente uma visão dinâmica do Estado e do seu contexto. Uma vez no poder, estão atadas aos compromissos estabelecidos na fase eleitoral. E para se manter precisam renovar esses compromissos, sem o que não conseguem vencer as dificuldades resultantes da pobreza, grandeza física, disparidades locais e o peso de grupos econômicos de fora. Cria-se um ciclo vicioso, no qual se afundam as boas intenções e mesmo a visão do político antes de conquistar o poder.

         O que justifica os índices sociais pífios legados pelos sucessivos governos do PSDB no período de 12 anos, entre 1995 e 2006?

        O PSDB paraense pagou o preço por se atrelar ao PSDB nacional, que tinha um projeto para a Amazônia: torná-la cada vez mais uma zona de exportação de produtos primários ou semielaborados. Foi o PSDB que criou a Lei Kandyr, que isentou esses produtos de exportação da principal fonte de renda dos Estados, o ICMS. A lei vigorou a partir de 1997, quando a principal beneficiária foi estatizada, a Companhia Vale do Rio Doce. O PSDB sabia do mal que isso ia causar ao Pará, mas se calou de forma oportunista. Achava que seria compensado por Brasília – e não foi. Podia ter resistido e não resistiu. O “novo Pará” de Almir Gabriel virou retórica de propaganda.

         Como explicar a eleição para um segundo mandato, como governador, de Simão Jatene, notabilizado como um gestor pouco afeito às responsabilidades do cargo? A desastrosa administração da ex-governadora petista Ana Júlia Carepa é capaz de, por si só, justificar a eleição de Simão Jatene em 2010?

        Uma coisa interessante no Pará é a força da propaganda. Certamente porque a imprensa no Estado é dominada por dois grupos rapaces, que têm interesses pessoais, comerciais e políticos imensos. É uma bipolaridade tal como não há em nenhum outro Estado brasileiro. O governo utiliza esse poder para trabalhar sua imagem e formar opinião a seu favor. É tão intensa essa propaganda que os próprios governantes passam a acreditar – ou têm que acreditar – nas suas fantasias. Foi o caso de Ana Júlia Carepa. Ela acreditou que devia sua eleição a ela própria, não – em maior proporção do que qualquer petista estava disposto a acreditar – a Jader Barbalho. Quis se livrar da companhia incômoda. Podia ter feito isso e até seria bom se o conseguisse. Mas não teve competência para realizar o intento (que o próprio Jader fez em 1983, para se livrar dos alacidistas, sem os quais não teria vencido Oziel Carneiro, o candidato dos militares). Ela não representava qualquer novidade, exceto a apregoada pelos seus luas pretas. Se tivesse tido estofo e consistência, ganharia a eleição. Mas se desgastou tanto que bastou Jader cruzar os braços para ela ser derrotada. Provavelmente para nunca mais voltar ao topo da política local.

         Qual sua avaliação sobre o cenário que se desenha para a sucessão estadual deste ano, opondo o governador tucano Simão Jatene a Helder Barbalho, herdeiro político do pai, o senador e ex-governador Jader Barbalho, o morubixaba do PMDB no Pará e que vem sendo, nos últimos anos, o fiel da balança nas eleições estaduais?

        O governador Simão Jatene teria muitas dificuldades para se reeleger, mas seria ainda o franco favorito se ele próprio não tivesse cometido tantos erros durante a sua atual gestão, que o tornaram impopular. Erros que resultaram, sobretudo, da sua indecisão. Ele disse tantas coisas contraditórias, fez e desfez tanto, que criou problemas dentro do seu próprio partido e gerou um desgaste que talvez não consiga mais desfazer. O vazio de liderança gestou um serpentário tucano, que pode dar razão ao temor de que os falsos amigos são piores do que os inimigos.

         Até onde o estigma de corrupto que aderiu a Jader Barbalho pode conspirar contra a candidatura de Helder Barbalho, pela própria condição deste de herdeiro político do pai? Esse estigma e a massiva propaganda enganosa veiculada pelo governo serão suficientes para minimizar a nódoa de gestor indolente que acompanha Simão Jatene desde o seu primeiro mandato como governador?


        A candidatura de Hélder Barbalho enfrenta três grandes desafios. O primeiro, que é o menos grave, resulta das deficiências do próprio candidato, que não fez uma boa administração em Ananindeua, perdendo a oportunidade de colocar seu sucessor no segundo mais populoso município paraense. A segunda dificuldade está na imagem ruim do pai e patrono, espinho que pode ser atenuado por uma boa campanha de marketing. Se conseguir reduzir um pouco a rejeição, se qualificará para chegar a vitória. A terceira dificuldade é a própria aliança com o PT. Muitos petistas sabotarão a candidatura de Hélder, como fizeram quando a mãe, Elcione, confiando nos aliados, foi derrotada para o Senado. Mas Hélder tem feito muito menos mal a si do que Jatene. Se explorar bem os muitos e graves erros do adversário e contar com a máquina federal para se opor à engrenagem do poder estadual, equilibrará a disputa e conseguirá que a definição vá para o segundo turno, com a inversão dos pesos em seu favor.

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