Defesa diz que Demóstenes é vítima de ‘tirania midiática eleitoreira’ e clama: ‘ouçam o senador’

Os advogados de Demóstenes Torres, à frente Antonio Carlos de Almeida ‘Kakay’ Castro, distribuíram aos senadores um memorial. Trata-se de uma derradeira tentativa de defesa. Na peça, alega-se que o senador é vítima da “tirania midiática e eleitoreira.”
O texto é apresentado como um “último esforço” para sensibilizar os julgadores. Convida-os a “esticar o pescoço acima da cortina de fumaça para, só assim, enxergar o horizonte.”
Em timbre dramático, o documento contrapõe “o direito de liberdade” ao suposto massacre da imprensa. “Aqui fala a voz desesperada de quem sofre o punhal da injustiça e da indiferença cravado no peito.”
Às vésperas do cadafalso, agendado para esta quarta-feira (11), os defensores de Demóstenes sustentam que nada foi provado contra ele, refutam o parecer do relator Humberto Costa (PT-SP) e insinuam que os colegas não lhe dão ouvidos.
“O senador bem sabe que sua grande batalha é se fazer ser ouvido por todos os seus pares, mas não com aqueles ouvidos que não querem ouvir, ou que estão sendo obrigados, constrangidos a deixar de ouvir, seja pela eleitoreira campanha de cruel difamação pública que diariamente se insufla contra ele, seja por força de uma imprensa para a qual nada mais interessa além do escândalo.”
A certa altura, insinua-se que Demóstemes, alvejado por “injustiças tão cortantes, tão ásperas e cruéis”, chegou a flertar com a ideia da renúncia. Pensou “em desistir algumas vezes, porque a sangria não estanca, a sangria faz esmorecer, faz desfalecer.”
Apinhado de expressões melodramáticas, o documento anota que Demóstenes sabe que “pesa” sobre os colegas “uma dura cobrança de uma sociedade que está absolutamente vendada pelos mesmos interesses e atitudes que o sangram.”
Os advogados conclamam os senadores a “resistir a essa cobrança toda, a essa desmedida e criminosa pressão que não cessa, não apenas porque estão prestes a julgar um dos seus, que sofre a maior injustiça de sua vida e, seguramente, uma das maiores injustiças da história da democracia neste país.”
Afirma-se que Demóstenes “se escusa” com seus pares “por, não raramente, parecer demasiadamente incisivo.” Alega-se que a combatividade que lhe rendeu a fama de paladino da ética “é sua irrenunciável natureza.”
Parágrafos depois da admissão do namoro com a renúncia, informa-se que o acusado guerreará até o fim. “Ele não admitirá dúvidas, não admitirá preconceitos, não admitirá que a imprensa ou que todos esses interesses escusos que não se revelam lhes obrigue ou lhes turve a consciência e os pensamentos.”
Mais: “Não admitirá presunção de culpa, não só porque a nossa tão cara Constituição a rechaça tão severamente, mas porque a dor da injustiça é muito grande”. Cita-se Montesquieu: “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
Antes, no cabeçalho do documento, já se havia citado Martin Luther King: “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar.” Evocara-se ainda Fernando Pessoa: “Ergo-me da cadeira com um esforço monstruoso, mas tenho a impressão de que levo a cadeira comigo, e que é mais pesada, porque é a cadeira do subjetivismo.”
Como que cientes de que o estilo de Demóstenes lhe rendeu uma coleção de inimigos no Senado, os advogados realçam: “A defesa bem sabe que talvez o senador Demóstenes esteja aqui sendo julgado também, e sobretudo, por ser rigoroso, por ter sido agressivo nas palavras, por ter sido duro nas cobranças cotidianas.”
Prossegue o texto: “Mas se estes atos do passado o afastam dos seus pares, por eventual falta de cordialidade, certamente não representam potencial para justificar sua cassação.” O memorial volta a pintar-se com as cores do drama.
“Cassar um mandato de um político é mais do que decretar-lhe a pena de morte. A morte é até simples, pois é o fim definitivo. A cassação é uma morte com requinte de extrema crueldade, mata não só a pessoa, mas rouba-lhe a dignidade. Junto com a exclusão dos direitos políticos, tomba também a relação de respeito entre o cidadão cassado e aqueles que acreditaram nele.”
Mais drama: “A morte do político pela cassação é uma pena maior do que a morte física. É o esgotamento, o estrangulamento, a asfixia do que resta de humano no corpo que perde a alma por ter perdido sua essência. Não é só ao senador Demóstenes que estão cassando, mas a todos os milhões que votaram nele.”
O documento traz no seu miolo uma minibiografia do Demóstenes pré-Cachoeira. No pedaço em que se dedica ao enfrentamento técnico das acusações, repisa a tese segundo a qual as escutas telefônicas que o alvejaram são “ilegais”. Instila o medo nos senadores, sugerindo que eles podem ser as próximas “vítimas”.
“Caso se aceite tamanho desprezo às prerrogativas de parlamentares, abre-se um precedente perigoso. Delegados, agentes de polícia e procuradores passarão a entabular estratégias com vistas a interceptar pessoas próximas a parlamentares.”
Leva-se a tática do pânico à intimidade dos julgadores: “Amigos, assessores, familiares passarão a ser monitorados como um meio de gravar ‘fortuitamente’ parlamentares-alvos. A investigação policial será um instrumento de controle político, tal como ocorre em Estados ditatoriais e totalitários.”
Após refutar as acusações contidas no relatório de Humberto Costa, aprovado por 15 a zero no Conselho de Ética, a defesa empilha um lote de nove frases iniciadas com uma renitente negativa:
“O senador Demóstenes Torres não fazia parte da organização criminosa de Cachoeira; não pediu R$ 3 mil a Carlinhos Cachoeira para pagar táxi aéreo; não recebeu R$ 1 milhão de Carlinhos Cachoeira em sua conta; não recebeu 20 mil da pessoa de Gleyb, ligada ao esquema de Carlinhos Cachoeira, não manteve funcionário fantasma em seu gabinete…”
“…Não era sócio oculto da empresa Delta; não possuía conhecimento da atuação de Carlinhos Cachoeira no jogo ilegal e, muito menos da amplitude da organização criminosa por ele montada; não detinha conhecimento de quem possuía Nextel e do papel que esses aparelhos desempenhavam na até então desconhecida organização criminosa liderada por Carlinhos Cachoeira; não colocou seu mandato a serviço de Carlinhos Cachoeira.”
No trecho seguinte, Demóstenes é retratado como um personagem que destoa do seu passado de delegado, secretário de Segurança de Goiás e chefe do Ministério Público do estado. O novo Demóstenes é dotado de rara ingenuidade. “O senador teve a decência e a humildade de reconhecer que recebeu um rádio Nextel por empréstimo.” Recebeu o equipamento “não de um contraventor, mas de seu então amigo e empresário.” Sim, para esse Demóstenes criado na peça dos advogados, Cachoeira era um mero empresário.
O senador também “reconheceu que recebeu presentes valiosos de casamento”. De novo, presentes de “um casal de amigos”, não do contraventor. Quanto aos preços, “não buscou perquirir”. Nessa versão, Demóstenes via em Cachoeira um “amigo” que o “iludiu ao longo de vários anos”, ocultando-lhe a face criminosa desmascarada pela PF.
No dizer dos advogados, Demóstenes também “reconheceu que tratou de diversos assuntos com Carlinhos Cachoeira”. Porém, “não fez nada que não fosse estritamente legal.” De resto, “reconheceu que se utilizou de aviões emprestados por empresários para se deslocar em seu Estado.”
No mais, como que farejando o cheiro de queimado que exala do plenário, os advogados sustentam que a cassação seria uma pena desproporcional. Recordam o caso de Luiz Estevão, único senador cassado em toda a centenária história do Senado.
Lembram que Estevão teve o mandato passado na guilhotina, em 28 de junho de 2000, depois que uma CPI o pilhou numa “série de ilicitudes” relacionadas ao escândalo do TRT de São Paulo. Coisa que resultou em depósitos de “cerca de US$ 46 milhões” em favor do Grupo OK, a empresa do cassado.
Nesse caso, sustenta a defesa de Demóstenes, “o Senado Federal pela primeira vez cassou um senador da República inequivocamente culpado de uma série de irregularidades, inclusive a prática de ilícitos penais que lhe renderam uma condenação de mais de trinta anos de prisão.”
A partir do exemplo, conclui-se que “a perda de mandato, que é punição mais severa de todas, jamais poderá ser banalizada, mas somente imposta em casos que realmente a exijam, como o caso Luiz Estevão.”
Engfatiza-se que vários outros pedidos de cassação já desaguaram no plenário do Senado. “E, depois do caso Luiz Estevão, jamais houve um outro caso que justificasse a aplicação dessa mesma punição extrema.” Depois, os advogados arrematam com uma sequência de interrogações:
“O senador Demóstenes Torres merece mesmo uma pena de cassação do mandato parlamentar? As supostas condutas imputadas a ele seriam tão graves ao ponto de justificar tal punição? As tais condutas imputadas a ele podem ser equiparadas aos atos praticados pelo ex-senador Luiz Estevão, condenado por fraudar a licitação e superfaturar a construção do fórum do TRT em São Paulo, além da imputação dos crimes de peculato, estelionato, uso de documento falso e formação de quadrilha?”
Os próprios advogados respondem, em timbre peremptório: “O senador Demóstenes não merece ser cassado, pois não praticou qualquer ato de quebra de decoro que justifique tal punição.”
- Serviço: o repórter Fernando Rodrigues levou à web a íntegra do memorial dos advogados de Demóstenes. A peça pode ser lida aqui.

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